Aspiras ser horizontal ou vertical?
A vizinha alteia ergue-se determinada já no fim do seu ciclo, com mais de dois metros, despede-se da vida como a conheceu, enquanto espalha possibilidades com as suas sementes.
Tudo em si está a morrer menos a sua última flor que nos presenteia com um último raio de beleza. Beleza esta que o meu filho decidiu conservar através desta foto.
Sempre que passo pela alteia os meus olhos regalam-se e o meu corpo responde, ajeitando a postura, reclamando nobreza e verticalidade.
Cultivo a verticalidade na vida, mas a verdade é que tenho me deparado cada vez mais com uma preocupante predominância de imagens sub-conscientes de verticalidade.
Esta predominância, agora muito clara para mim, impõe-se nas nossas paisagens, tantos internas como externas.
Achei durante muito tempo que ser vertical era algo a que devia aspirar (ainda acho): ascender, crescer, iluminar, elevar; todos estes adjectivos eram e são acarinhados por mim, como luzes que apontam para a frente.
Acreditei durante anos que esse era o nosso caminho, a nossa missão enquanto espécie, o caminho do discipulado espiritual como eu o entendia.
Ao contemplar a alteia que se impõe na paisagem, a forma como se agiganta no canteiro, entendo porque é que o meu filho instintivamente é atraído por ela e não repara no modesto milefóleo que lento mas resoluto se espalha pelo chão.
O milefólio mal se vê, no entanto as suas flores e folhas abrigam um mundo de seres e organismos. A sua simplicidade generosa acalma-me os medos e tonifica-me o corpo.
Penso nesta predominância de imagens de verticalidade implícitas nas paisagens míticas da nossa cultura. Questiono se esta obsessão com a busca dos adjectivos que mencionei poderá estar a privar-nos da horizontalidade das nossas histórias, das nossas paisagens e das nossas relações com o Mundo.
Parece-me que as nas nossas narrativas há uma prevalecia perigosa de heróis que sozinhos se agigantam, salvando todos os demais. Que chegam ao cume da montanha e iluminam tudo o resto, deixando-nos dependentes de quem nos salve, ou com a responsabilidade de sermos nós, isoladamente os salvadores.
Muitas vezes na apropriação e interpretação de velhos mitos, esquecemos ou deixamos de fora, aqueles que junto ao chão contribuíram para que a verticalidade do herói fosse sustentada. Esquecemos de dar a devida importância à paisagem tridimensional do herói. O próprio herói é convidado ciclicamente a explorar e assumir esses mesmos lugares, criando suporte para as aventuras de novos heróis e heroínas. Afinal de contas o topo da montanha é um lugar de passagem.
Não se trata de escolher entre vertical ou horizontal.
Uma árvore não tem escolha, ela cresce rumo ao céu, enquanto as suas raízes se espalham pelo sub-solo. A árvore faz parte de um sistema horizontal de múltiplas relações que apesar de invisíveis aos nossos olhos, constroem o lugar onde a promessa e a sustentação da Vida acontecem.
Penso na mandala zodiacal e na forma como o próprio zodíaco representa tão bem este multidimensionalidade do nosso lugar no Mundo.
A representação do zodíaco no seu esqueleto é constituída por dois eixos: um vertical, outro horizontal. Nenhum se impõe, ambos são na verdade membros de um corpo só. Fundações vitais do Todo.
Construímos a nossa verticalidade no mundo através da pertença e propósito. Damos significado ao nosso propósito através da horizontalidade das nossas relações.
Possamos restaurar as nossas narrativas de forma a serem plurais, inclusivas e participativas.
Sigo o exemplo dos jardins e seus habitantes.
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