2021 Trauma Colectivo e o Lugar do Sonho

2021 Trauma Colectivo e o Lugar do Sonho

2021 e a Quadratura Saturno/Úrano – Trauma Colectivo e o Lugar do Sonho

Um dos trânsitos mais falados deste ano é a quadratura Úrano/Saturno.

Nestas últimas semanas, tenho colecionado consultas de astrologia que têm como ponto em comum clientes com vários aspectos em Aquário ou Touro, os signos que dão corpo a este trânsito. Estas pessoas trazem em comum uma certa sensação de estar num processo visceral de renascimento. Quase como se tivessem a ser chamadas para algo de muito profundo.

Úrano em Touro

Quando Úrano chegou a Touro, fiquei muito curiosa, esperançosa até… Pensei que a revolução alimentar com a qual tenho vindo a sonhar há mais de 20 anos finalmente estaria a chegar. Uma rutura no transporte de alimentos que levaria cidades inteiras a desenvolverem um sentido comum de autonomia alimentar. Proporcionando o nascimento de iniciativas comunitárias,  de produção e distribuição local de alimentos e  subprodutos. Fomentando relações interpessoais e entre espécies.

Uma imagem de pura beleza da qual não me quero divorciar tão cedo, até porque Úrano ficará em Touro até 2026, temos tempo!

Mas a verdade é que a chegada de Úrano a Touro trouxe também um alarme cada mais  grave e sonante, de vários cientistas chamando a atenção para a velocidade  assustadora com que o clima está a sofrer alterações imprevisíveis.

Touro

Touro fala-nos dos recursos indispensáveis à vida, do que é certo e  familiar, como a previsibilidade das estações e seus ritmos e a forma como a estabilidade do clima permitiu ao homem dedicar-se à agricultura permitindo a sua consequente sedentarização.

Quem tem uma forte ligação ao arquétipo de Touro, traz em si esta sabedoria de saber esperar pelo tempo certo das coisas,  a necessidade de  ficar, resistir, fincar pé e confiar no ritmo da vida.

Mas algo de assustador está a acontecer. Os nativos de Touro e todos aqueles com uma estrutura psíquica ligada a signos do elemento Terra já o sentem há muito tempo, só agora é visível para todos nós. As estações do ano, são cada vez mais irregulares. A estabilidade climática que proporcionou a sedentarização do homem e suas comunidades está a acabar.

A mudança dos ciclos

Com a entrada de Úrano em Touro em 2018 este alerta chegou às massas,  os jovens movidos pela força de Úrano, vieram para as ruas, liderados por Greta Thunberg, que iniciou a seu movimento de greve estudantil justamente em 2018.

Em 2019 na cimeira climática porta-vozes de vários países do mundo, juntaram-se e soaram o incómodo alerta:  a movimentação de refugiados por causa do clima não para de aumentar. Os que  menos contribuem para as alterações climáticas são os primeiros a sofrer as consequências.

Comunidades inteiras que durantes gerações e gerações viveram numa relação simbiótica com os seus territórios, vêem-se agora obrigados a deixar a terra dos seus ancestrais e a sua soberania para ficarem dependentes da caridade tantas vezes precária dos países mais abastados.

Uma parte do mundo conversa sobre sustentabilidade, desenvolvimento pessoal, crise climática  e o surgimento da  “nova era”, enquanto se orgulha por ter descartado os utensílios de plástico, comprando novas ferramentas mais modernas e sustentáveis. Enquanto isto uma outra parte, luta para poder encontrar água potável e continuar a viver na única terra que conhecem e que face à crescente imprevisibilidade do clima, deixam de poder habitar.

Úrano

Úrano é o arquétipo que faz essa ligação entre quem sonhou, aquele que sonha, e o que está a ser sonhado.

Ao transitar por Touro, Úrano transforma a nossa relação com a terra. Até mesmo o ritmo  dos ciclos é agora posto em causa. As cartilhas com instruções que conhecemos e habituamo-nos a seguir, deixar de estar válidas. O chão está a mudar.

Para os astrólogos que desenvolvem um trabalho terapêutico, Úrano representa o senhor do trauma, isto porque é através dele, que temos a possibilidade de viajar entre tempos, permitindo-nos tanto aceder aos cantos do passado onde tantas vezes  ficámos retidos ou cristalizados na experiência traumática; quanto ampliando a nossa consciência para o futuro, permitindo-nos ser alimentados pela visão do que está a ser sonhado por outros personagens da nossa  paisagem  colectiva.

O sonho dos nossos ancestrais

Muitas culturas ancestrais acreditam que o que estamos a viver agora, foi sonhado sete gerações atrás. Por sua vez, os sonhos que sonhamos neste momentos irão fruir daqui a sete gerações.

Esta cosmologia ancestral  repete-se em culturas espalhadas por várias partes do globo.

É comum a várias culturas este conceito do tempo do sonho. Úrano é o arquétipo que faz essa ligação entre quem sonhou, aquele que sonha, e o que está a ser sonhado.

Seguindo esta linha de raciocínio, estando o Úrano a transitar por Touro e sendo este um signo devotado aos prazeres da contemplação. Que traz na sua memória ancestral, os privilégios da sedentarização, que nos permitiu a capacidade de desenvolver relações de intimidade e confiança com a terra, suas criaturas e recursos.

Então em Touro, Úrano convida-nos  a viajar pela história do corpo da terra, não para reviver o passado, mas para resgatar os fragmentos do futuro que foram perdidos. Estes que nos foram ocultados quando nos roubaram  a pertença profunda à terra, à linguagem dos lugares e à memória das nossas linhagens ancestrais.

Os povos indígenas, apesar de serem as vitimas na linha da frente da colapso sistémico que vivemos, têm algo que nós não temos, uma identidade comum que é profunda e rica em significado, enraizada na própria memória planetária. Eles sabem quem são, de onde vêm, para onde vão.

Nas sociedades indígenas estas não são questões pessoais, são afirmações que constroem uma identidade comum.

Numa perspetiva ocidental, Úrano convida  as crianças órfãs que somos,  a adentarmos os territórios de terra de Touro, para aprender a escutar esta Terra Mãe, que todos os dias oferece-nos o dom da vida. Acima de tudo a adentrar a sua inteligência e sabedoria, confiando no tempo profundo e em todos os processos de vida/morte/vida pelos quais já passou.

Através de Úrano saímos de uma experiência de tempo linear para entrarmos sermos catalisados no tempo focal.

Úrano não nos chama para reviver o passado,  mas sim para recuperar a visão futura, através do acto de rememorar as histórias perdidas e as vozes caladas durantes as conquistas violentas dos nossos territórios.

Então em Touro, Úrano convida-nos  a viajar pela história do corpo da terra, não para reviver o passado, mas para resgatar os fragmentos do futuro que foram perdidos.

Saturno

Saturno, por sua vez  ficará em Aquário até 2023.

Saturno é o antigo regente  de Aquário, neste signo, rege a passagem do conhecimento e testemunho para as novas gerações. Em Aquário, Saturno prepara-se, para ir além daquilo  que está para lá do tempo linear. Nesta etapa do Zodíaco, representa  a responsabilidade que os nossos ancestrais mantêm em sonhar o futuro da nossa e seguintes gerações.

Imagina, como seria o mundo se coletivamente, neste exacto momento, fossemos conscientemente responsáveis por sonhar o futuro de 7 gerações à frente. Eu acredito que seriamos mais capazes e resilientes enquanto cultura.

Aquário

Em Aquário, somos convidados a sermos visionários e revolucionários, como?  Imaginando,  ao imaginar, transformamo-nos em lugares geradores de futuro.

A humanidade depende destes lugares de criação, onde avivamos  o fogo que dá vida à visão do espírito (Júpiter) através do ar dos nossos pulmões (Úrano) e de uma responsabilidade colectiva (Saturno).

O trauma coletivo  congela-nos numa visão da realidade da qual não nos conseguimos libertar. O trauma cristaliza a  consciência de um povo, geração ou cultura numa determinada narrativa, tornando-nos prisioneiros de um mesmo e repetido passado, que sucessivamente se repete geração após geração.

Uma cultura órfã de mitos e significados profundos, roubada dos seus rituais colectivos, pode não conseguir reunir força suficiente para criar uma história alternativa. Repetindo o mesmo padrão de passado, outra e outra vez. Está é uma das grandes consequências do trauma.

Na minha visão, o grande chamado de 2021, é justamente  esta  quadratura formada entre Úrano em Touro e Saturno em Aquário. Um chamado para restaurar narrativas e recuperar as vozes mutiladas por aqueles que escreveram a história que conhecemos.

Úrano não nos chama para reviver o passado,  mas sim para recuperar a visão do futuro, através do acto de rememorar as histórias perdidas e as vozes caladas durantes as conquistas violentas dos nossos territórios.

Este é um tempo de resgate da memória profunda dos lugares que  habitamos, de forma a libertar as partes raptadas e cristalizadas da consciência colectiva. Libertando a nossa criatividade para que  possamos ousar acolher novas visões, restaurando a nossa capacidade de sonhar as  gerações futuras. Não falo dos nossos filhos, mas sim de de 7 gerações para a frente.

Quanta desconstrução profunda teremos de alcançar para poder ousar sonhar tal coisa? E que desconstrução maior ainda teremos que aceitar, para perceber que para lá da vontade pessoal, existe um propósito e um sentido maior e sistémico, onde cada um de nós é já o resultado de um sonho há muito sonhado. Como restaurar a pertença profunda a esse sonho ancestral?

Trauma e seus mecanismos

Esta quadratura acentua os sintomas de trauma e as consequentes reações de defesa.

O próprio Covid de tantas formas distintas funciona em muitas áreas da nossa cultura como um processo de retraumatização, trazendo  ao de cima velhos fantasmas reprimidos, agora  com novas caras. Falo, por exemplo da opressão e crescente perda de direitos e liberdades que tem vindo a crescer com a pandemia.

Muitas vezes,  o que acontece quando um evento traumático incide sobre um trauma passado é aumentar o grau de cristalização ( Saturno), ou seja: aumenta a  apatia e o congelamento.

Podemo-nos revoltar, refilar , rebelar  mas a nossa acção fica presa e circunscrita à mente. O corpo isola-se, deixa de participar, deixamos de estar inteiros, de pertencer, perdemos a capacidade de agir em integridade. Ficamos desmembrados,  órfãos de Alma e como tal incapazes de  alimentar o  fogo da vontade e do significado.

Falar de ecologia ou espiritualidade sem abordar o trauma colectivo, é como atirar sementes ao vento sem perceber em que solo irão cair e se o solo tem condições de as receber.

A quadratura apesar de difícil é uma bênção porque proporciona uma oportunidade de transformação colectiva. Não é por acaso que desde 2018 se tem visto um crescente número de livros, publicações, seminários e simpósios mundiais que reúnem pessoas de todo o mundo que estudam e trabalham o tema “Trauma Colectivo”, trazendo-o agora ao grande público, promovendo uma abordagem sistémica e transdisciplinar, unindo áreas como a arte, saúde, filosofia, direito, ecologia entre outros.

O mundo está a mudar e a resposta para o futuro pode muito bem estar escondida no subsolo do teu quintal, do canteiro do estacionamento do teu carro, ou no teu subconsciente. Escava e partilha.

A imagem utilizada é de uma peça minha em processo, chamada justamente: Tempo do Sonho.

Com carinho

Ana Alpande

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