A compaixão mais do que um nome, é um lugar.
A compaixão radical é um lugar de presença, onde permitimos que algo ou alguém possa ser exactamente o que é, na sua totalidade. O termo compaixão radical sugere estender a noção de compaixão enquanto um sentimento de empatia por um determinado evento ou condição, a um lugar que abraça o nosso sistema radicular de consciência, sustendo num determinado tempo e espaço não só uma determinada condição, peso ou sofrimento, mas também as suas várias e complexas ramificações: daí a palavra radical, que vêm de raiz.
Não basta apenas ter empatia por alguém ou nós mesmos. É importante juntamente com essa empatia procurarmos o lugar da pessoa, onde é que ela pertence, qual a sua história, quais as ramificações das suas relações num sistema vasto e múltiplo de posições tantas vezes paradoxais, que inevitavelmente, por falarmos de raízes, incluem uma série de fenómenos e experiências que se estendem para lá da nossa capacidade de compreensão.
Este lugar da compaixão é naturalmente uma teia abrangente que pede ao coração que se expanda, para poder abraçar a complexidade e a diversidade da experiência não só humana, mas também planetária. Ao buscar este lugar da compaixão radical, precisamos naturalmente activar em nós a consciência abrangente de quem somos.
No meu caminho, tem sido através da associação da astrologia à psicologia profunda que tenho procurado esse lugar. No entanto é no encontro diário comigo mesma através da observação dos ciclos sol/lua pelo zodíaco que esta região se transforma em algo vivo, que me toca e comunica, enquanto amplia a consciência radicular das minhas relações com o mundo e sua inerente ciclicidade. Logo com o lugar da compaixão em mim.
Surge a pergunta: como ter compaixão pelos meus cantos mais duros, indesejáveis e vergonhosos?
Veja, não sugiro que tenha compaixão por si, como se a compaixão fosse algo a ser possuído, antes proponho que a compaixão já existe dentro de si. A pergunta é: como regressar a esse lugar, que na verdade, pacientemente aguarda por nós. Que sustem através de um sistema radicular de consciência, a totalidade de quem somos e do que experienciamos, assim como daquilo com que nos relacionamos.
Neste ponto de vista distinguir compaixão de autocompaixão, torna-se redundante.
Porque a lua a cada 29 dias passa por cada área da minha paisagem interna, ou seja das várias áreas que compõem o sentido de mim mesmo e das minhas relações no mundo, a prática das mandalas astro lunares pode transformar-se num encontro sagrado comigo e no seu devido tempo, revelar esse lugar da compaixão em mim.
Na minha práctica profissional as questões mais recorrentes são:
Estou à procura de saber quem sou.
Quero saber o que é que “ainda” tenho para trabalhar em mim.
Quando é que chego ao meu propósito?
Passamos a vida a assumir que nos falta alguma coisa, que ainda não chegámos ao destino, que precisamos cumprir com metas e alcançar objectivos para que possamos ser merecedores de nós mesmos. Este tipo de corrida é uma violação da alma, uma tremenda falta de respeito pela totalidade não só de nós mesmos mas pela própria vida. A vida cíclica no girar constante da roda, sabe exatamente onde e como podemos evoluir e quando precisamos encolher e aprofundar. O universo ele próprio alterna entre ciclos de expansão e outros de contração. A nossa falta de confiança nas forças do cosmos e nos seus ciclos levou-nos a uma busca soberba pelo controle da vida e da morte. Um medo tremendo de tudo o que foge das nossas mãos e da nossa compreensão. Temos horror a contrair, decrescer, ter menos.
Consegues ver como esta narrativa do mais e melhor é altamente subversiva e impeditiva de nos fazer chegar à este lugar da compaixão?
Assumimos que o nosso tempo de desenvolvimento e maturação acontece dentro dos moldes do tempo social extrativista, que nos coloca sempre à frente do presente, sempre a correr para ganhar à morte, à escassez, aos Invernos da vida.
Mas o tempo de desenvolvimento humano é cíclico, as artes ancestrais como a astrologia ensinam que não se pulam etapas, apenas podemos vivê-las na inteireza que nos é possível no momento presente.
Depois da vivência, podemos tentar entender, significar e integrar, mas primeiro é preciso viver! Estar no momento o mais inteiro possível, para que a nossa resposta à vida seja ela também inteira.
A estrutura social em que vivemos coloca-nos fora da vida e do seu tempo cíclico.
Esta questão da compaixão não é sua ou minha. É nossa e é social.
Não basta pensar ou procurar isoladamente este lugar da compaixão, precisamos pensar e implementar novos modelos sociais que sejam eles próprios imanentes e compassivos. Até lá cada um de nós terá de se contentar em fazer o melhor que pode, dadas as suas circunstâncias e o seu contexto dentro do modelo vigente. Por isso, o primeiro passo para chegar ao lugar da compaixão radical passa pela humildade de entender e aceitar as nossas próprias circunstâncias e limitações socioculturais e manter a conversa activa, repito, precisamos juntos de repensar a nossa relação com o tempo assim como as nossas narrativas pessoais e sociais.
É através de uma visão sistémica e abrangente que podemos iniciar o caminho de volta: O caminho para o lugar da compaixão radical.
Ao chegar todos os dias ao seu caderno, invoque esta região interna. Não se preocupe se a encontra ou não, apenas mantenha a invocação consigo e verá como no seu devido tempo, sem sequer se aperceber, será alimentado pelas águas puras da compaixão. Até lá seja paciente consigo mesmo e tente “escapar” à tiranita do mais e melhor.
Artigo publicado na minha Coluna “O Canto do Verbo” na Revista Vento e Água
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