Deusa Pássaro e As Fases do Luto
Debrucei-me perante o teu corpo gelado,
senti o doce beijo da rainha das neves preencher a sala, espectros e presenças ancestrais.
Coloco a minha mão no teu peito
no abraço do silêncio reparo que não mais posso contar com o murmúrio da tua respiração arrastada,
o estalo da realidade desperta a minha mente.
Olho o teu rosto, já não é o meu rosto.
Toco o teu cabelo, já não é o meu cabelo.
As peles mudaram de sítio,
as fibras ficaram baças e as feições que aprendi a reconhecer como casa ficaram desfeitas.
És tu, mas já não és nossa.
É quando o frio é invadido pelo soluço
as minhas lágrimas copiosas correm que nem jorros
pela tua face inanimada;
mas não há rio que te acorde
nem choro que devolva a vida
a este pedaço de terra que até agora ostentava o teu nome.
Aqui fico, quieta, e grata por estarmos sós, unidas e ao mesmo tempo separadas pelo contraste entre a minha vida e tua morte.
Toco a tua pele à procura de algum tipo de corrente possível
entre as milhares de terminações nervosas que se interceptam entre nós,
gravo na memória das minhas mãos as texturas finas das tuas
enxaguando as lágrimas e o ranho, com a manga da camisola,
descanso uma última vez na familiaridade do teu toque.
Tudo mudou, tudo muda, tudo mudará…
Para a semana dar-te-ei os bons dias no vento
serei abraçada por ti em sonhos,
meio humana,
meio animal,
talvez vegetal,
telúrica ou apenas um grande grande canto.
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Subscreve a Poética do Abraço