Manhã Gloriosa Percorro as avenidas das primeiras horas da manhã com gestos certeiros, camuflados pelos meus olhos enublados com restos de sonhos e inquietações espectrais. Perco-me por segundos na janela, enquanto a chaleira apita e a sua sirene persistente preenche o espaço vazio. O aroma familiar do café chama por mim, distrai-me da visão do beijo sóbrio da geada sobre o verde adormecido. Não quero ir, mas também não quero ficar, ou melhor... aquela que de mim aprendeu a ser ponteiro, não consegue ignorar o alarme que se ergue confiante sob a chama do fogão. Mas a outra, a que cresceu a bailar com as campainhas nos prados e que se dilui nas cascatas de chuva, essa quer ficar... Essa outra acredita ser criminoso abandonar o espectáculo do Sol, que cuidadoso chega com os seus rituais de carinho que languidamente desperta as folhas do seu sono polar. Como desperdiçar o momento em que a rainha das neves, finalmente se rende à supremacia do grande Pai? Como desperdiçar esta generosidade do abraço subtil, dos seus tentáculos cuidadosos que de forma suave e até mesmo carinhosa, lentamente... desperta ervas, flores, folhas e pedras? Na manha gloriosa, os meus olhos de névoa pouco a pouco crescem em foco e maravilhamento. E a minha mais ardente oração é sempre a mesma: que os meus olhos sejam fieis, sempre fieis ao exercício de dizer não ao desperdício da beleza. Ana Alpande