Manhã Gloriosa

Manhã Gloriosa

Manhã Gloriosa

Percorro as avenidas das primeiras horas da manhã
 com gestos certeiros, 
camuflados pelos meus olhos
enublados 
com restos de sonhos
 e inquietações espectrais.

Perco-me por segundos na janela,
 enquanto a chaleira apita
 e a sua sirene persistente
 preenche o espaço vazio.

O aroma familiar do café
chama por mim, 
distrai-me da visão do beijo sóbrio da geada
 sobre o verde adormecido.

Não quero ir, 
mas também não quero ficar, 
ou melhor...
aquela que de mim aprendeu a ser ponteiro, 
não consegue ignorar o alarme que se ergue 
confiante
sob a chama do fogão.
Mas a outra, 
a que cresceu a bailar 
com as campainhas nos prados 
e que se dilui nas cascatas de chuva, 
essa quer ficar...

Essa outra acredita ser criminoso 
abandonar o espectáculo do Sol, 
que cuidadoso chega
com os seus rituais de carinho
que languidamente 
desperta as folhas 
do seu sono polar. 

Como desperdiçar o momento
em que a rainha das neves,
finalmente se rende à supremacia do grande Pai? 

Como desperdiçar esta generosidade
do abraço subtil, 
dos seus tentáculos cuidadosos
que  de forma suave
e até mesmo carinhosa, 
lentamente...  
desperta ervas, 
flores, 
folhas e pedras?

Na manha gloriosa, 
os meus olhos de névoa 
pouco a pouco 
crescem em foco 
e maravilhamento.

E a minha mais ardente oração
 é sempre a mesma: 
que os meus olhos sejam fieis, 
sempre fieis 
ao exercício de dizer não ao desperdício da beleza.
Ana Alpande

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