Reclamemos a velha

Reclamemos a velha

Reclamemos a velha

o direito a ter peles enrugadas como as cascas dos carvalhos

corpos ondulados tal como as cordilheiras

côncavos/convexos – radicais inconsistências…

deixemos o vento e o luar

pratearem os  cabelos

substrato das longas memórias,

fios

fluxo

informação 

tecido conectivo.

Reclamemos a velha

aspiremos  ser suspiro leve e penetrante

pisar a terra com a leveza dos nossos corpos desmineralizados

espalhando o cálcio e o magnésio pelos poros do chão que pisamos,

devolvendo ao solo o que é do solo: lentamente, passa a passo, balanço de anca, a balança de anca.

Reclamemos a velha

saibamos ser velhas sabendo que quanto mais velha 

inevitavelmente mais nova – não há como escapar da criança que somos.

Reclamemos a velha

não deixemos que nos obriguem a ser o que um velho tem que ser

sejamos rebeldes e insubmissas, afinal 

se não aproveitarmos a velhice para mandar

umas quantas pessoas à merda, quando o faremos?

Reclamemos a velha, 

possamos sacudir a sabedoria dos ombros e darmo-nos ao direito a não saber,

nem levar nada disto demasiado a sério.

Reclamemos a velha,

possamos honrar a sabedoria que nos atravessa e permeia, 

não como algo nosso, 

mas fluxo 

neste animal poroso que somos,

sejamos essa sabedoria ancestral em movimento.

Reclamemos a velha, 

reclamando uma estética da decomposição que abrace a velhice 

como amor e generosidade supremos,

generosamente libertando matéria densa 

devolvendo ao  chão comum o que  afinal pertence a tudo e todos.

Afinal 

a vida, 

todos nós

o nós

toda a vida,

em cada célula, ao mesmo tempo

no mesmo lugar

uma  velha, uma donzela e uma criança.

Ana Alpande

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