Mitologia Pessoal, Imaginação e Participação Activa

Mitologia Pessoal, Imaginação e Participação Activa

Mitologia Pessoal

Quando apresento o meu trabalho aponto a mitologia pessoal como um dos pilares que orientam o sentido que dou às minhas propostas.

Mas o que é afinal mitologia pessoal? Qual a sua definição e propósito? Para que serve?

A ideia deste artigo não é a de oferecer definições mas sim a de esboçar contornos, através dos quais se possam esclarecer alguns conceitos ou pelo menos desenhar um caminho de indagação e exploração mais abrangente e séria do tema sem o reduzir a associações pobres e generalistas.

Muitas vezes encontramos a expressão “mitologia pessoal” associada ao estudo de arquétipos, das deusas e deuses, da própria astrologia,  que inevitavelmente assentam na mitologia greco-romana ou com muita sorte em algumas reminiscências sumérias.

A Questão da Mitologia Pessoal

A questão da mitologia como a apresento não está de todo relacionada com o estudo ou a análise da mitologia clássica ou de qualquer outro formato organizado e externo à flora mítica de um individuo e do seu contexto cultural e pessoal.

Para mim esta é uma questão da psicologia profunda à qual o psicólogo James Hillman atribuiu a função de resgatar uma mitologia tradicional e pessoal enquanto “grande portadora das riquezas da tradição oral”.

A mitologia pessoal agrega um legado rico, abrangente complexo e variado que está directamente ligado à nossa cultura, linhagem, local de proveniência e ancestralidade; o que vai muito além de qualquer documento escrito ou conhecimento organizado como por exemplo as versões dos mitos que estudamos.

Antes de mais o que é um mito?  

Gosto da resposta simples mas bastante abrangente do psicólogo clínico David Feinstein.

“um mito é uma narrativa que pode ser definida como uma declaração ou história que concerne a preocupações ou temas existenciais humanos que tem consequências no seu comportamento. Debaixo da narrativa à uma matriz de símbolos, metáforas, sentimentos e motivos imaginários que se organizam a si mesmos fora da consciência. Podem ser culturais, institucionais, étnicos, familiares ou pessoais.”

IN: Mitologia Personal, Historias De Nuestro Pasado, Una Inspiracion Para Nuestro Futuro, 2012

Feinstein acrescenta ainda que um dos principais propósitos do mito é

“…trazer o passado ao presente. Através do enlace de épocas, o conhecimento e a sabedoria acumuladas pela nossa cultura são comunicadas a uma nova geração.”

Os mitos organizam e estruturam a psique humana. São a linguagem através da qual construímos significado e comunicamos de forma viva e orgânica com a vida. Todos construímos mitos e vivemos segundo os modelos e referências de mitos que criámos, herdámos ou que adoptámos da cultura vigente.

Mas essencialmente, como aponta Feinstein, é através do mito e da consciência mítica que experienciamos o tempo subjetivo no qual passado, presente e futuro se interceptam.

Mitologia Pessoal: o que é e para que serve?

Os nossos antepassados possuíam uma identidade cultural muito mais coesa e enraizada num património mitológico  autóctone, a construção de significado era um processo social e homogéneo. Hoje em dia encontramo-nos num processo aparentemente inverso. Como enunciei no meu livro a Jornada da Heroína pelo Zodíaco  “a cultura está a morrer”. Deixámos de encontrar na nossa cultura polos de construção de uma identidade autóctone e comum, vivemos perdidos num mar imenso de imagens míticas  massificadas que assoberbam de tal forma o corpo psíquico, que acabamos confusos  e à merce de significados generalizados, que não podem acomodar nem revitalizar a nossa ligação intrínseca ao chão que pisamos nem ao legado do qual somos  herdeiros.

Sem a capacidade de conseguir reflectir e discernir aquilo com que nos identificamos ou as ligações aos lugares onde pertencemos, criamos vazios existenciais, perdemos a conexão com a própria vida.

A cultura como a conhecemos está em profundo declínio, o interesse activo em construir um diálogo mítico com a vida a fim de restaurar a nossa  mitologia pessoal assume nos tempos de correm, um lugar verdadeiramente importante no remembrar da nossa ligação intrínseca à Alma do Mundo, ou como gosto de lhe chamar, ao corpo das coisas.

Ao falar sobre os meandros do inconsciente colectivo, Jung esclareceu que apesar dos arquétipos refletidos na mitologia serem universais, cada sociedade constrói os seus mitos de forma diferente, ou seja: os temas são universais mas os personagens e eventos diferem de cultura para cultura e essa diferença é justamente a arca do tesouro do nosso inconsciente autóctone e pessoal.

Trabalhar intencionalmente com mitologia pessoal passa por, antes de mais, um criar lugares de escuta e observação através dos quais percebemos quais as imagens e narrativas mitológicas que fazem parte da nossa flora e fauna psíquica, e se essas imagens contribuem para enriquecer o ecossistema do qual fazermos parte.

No livro a Jornada da Heroína falei de orfandade mítica, questionei as consequências da perda das nossas figuras histórias e mitológicas locais e ancestrais. Não falava dos grandes deuses e deusas da antiguidade clássica, mas da ligação intrínseca a isto a que chamo de “flora autóctone”, através da qual aprofundamos o sentido de pertença às nossas raízes e ao próprio chão, para além de nos sagramos criadores autorais de significado e participantes activos da construção da realidade.

A diversidade é mandatária no correcto funcionamento de qualquer sistema, os mitos não são excepção. O resgate consciente da sua mitologia pessoal coloca o individuo num lugar activo de criação e participação da vida anímica, fortalecendo assim as funções autorreguladoras da  psique. O psicólogo James Hillman falou extensamente deste assunto no seu livro seminal Re-Visioning Psychology.

“ As imagens míticas… são imagens que nos envolvem tanto psicologicamente nas nossas reações corporais às mesmas, como espiritualmente nos pensamentos elevados que temos ao seu respeito.”

Naomi Goldenberg in: Changing of the Gods: Feminism And The End of Traditional Religions, 1979

Então a mitologia pessoal é a forma como a nossa consciência reflecte imagens profundas ao mesmo tempo que é moldada pela cultura da qual faz parte. À luz do contexto que aqui apresento quando se fala de de mitologia pessoal é essencial ter em consideração:

  • A história pessoal e autobiográfica de um indivíduo.
  • A história geracional.
  • As suas origens ancestrais e respetivos símbolos, personagens e rituais e tradições.
  • O legado simbólico e tradicional dos lugares onde vive, foi criado ou da proveniência da sua linhagem genealógica. Incluindo o legado imaterial: lendas, histórias, tradições, riqueza etnográfica etc…
  • A cultura que o rodeia.
  • A escuta activa e reflexiva da sua paisagem simbólica em relação com o seu meio e contexto.
Um processo autónomo

Todos seguimos um guião narrativo de alguma espécie ou ordem,  não somos nós conscientemente que criamos os mitos, a nossa psique cria significado mítico de forma autónoma, é essa narrativa mítica que determina as nossas reações inconscientes.

Dedicar o nosso tempo e atenção à descoberta e construção da nossa mitologia pessoal implicar olhar para dentro, olhando para fora simultaneamente.  Propõe ainda encontrar através de uma linguagem mítica os padrões e narrativas intrínsecos, ressignificando histórias, participando de forma criativa no desenrolar da narrativa.

A imaginação é um ingrediente essencial neste processo.

Então quando digo que trabalho com mitologia pessoal, o objectivo do meu trabalho seja com a Astrologia ou com a Arte de Tecer a Vida consiste em apoiar os meus clientes a perceberem e acolherem as imagens que trazem dentro de si, o conteúdo pessoal e intrínseco que os constitui, facilitando lugares de diálogo com a imaginação e sustentando uma escuta sensível e cuidada dos vários fios que compõem a nossa flora mítica, tendo como especial incidência a biografia humana, a imaginação e a linguagem mítica.

O propósito é o resgate das riquezas pessoais e simbólicas da flora individual de forma a que, como diz o psicanalista Stephenson Bond, a construção pessoal de significado possa se transformar num modo de vida ao que acrescento, uma forma de nos relacionarmos com toda a riqueza, diversidade e imprevisibilidade da vida.

Como te relacionas com a tua mitologia pessoal? Que imagens, histórias e símbolos trazes dentro de ti?

No dia 11 de Julho vou dar uma aula gratuita sobre o Tema a Arte de Tecer a Vida, onde vamos falar sobre:

  • As mãos enquanto templos de memória.
  •  Mitologia Pessoal.
  •  Biografia Humana.

 E vamos tecer um pequeno amuleto e explorar a relação entre mãos/corpo/imaginação e significado.

Estarei ainda a apresentar o meu curso de dois anos A Arte de Tecer a Vida.

As inscrições são abertas e as vagas limitadas, podes inscrever-te no link:

https://forms.gle/UVMwRBayFMVBpWFV8

A imagem deste artigo de minha autoria inspirada no tempo cíclico e subjectivo.

Com carinho

Ana Alpande

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